O locutor Flávio Araújo narrando uma partida de futebol em Cali, na Colômbia, em 1960 Reprodução
Quando o Brasil ganhou a primeira Copa do Mundo em 1958, milhares de brasileiros se reuniram na Praça da Sé, em São Paulo, para ouvir por alguns autofalantes a transmissão dos jogos pela rádio AM. Havia ainda alguns painéis luminosos que se acendiam quando o Brasil fazia gol. O mesmo se repetiu no título de 1962. E até meados dos anos 70 foi sempre assim, famílias inteiras reunidas ao redor de um rádio, naquela relação de confiança e cumplicidade com o locutor que transmitia em palavras o que ele via em campo. Acompanhar um jogo de futebol no rádio era emoção certa. E aquele ruído característico da transmissão da AM ao fundo dos bordões consagrados como "Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo", "Agüenta coração!", "Alô alô Brasil, de Norte ao Sul","Uma Beleeeeza de Gol!", "Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha" ou "E que golaaaaaço" fazia parte da festa e aumentava ainda mais a expectativa pelo gol. "O locutor de rádio era o espetáculo. Ele o desenhava de acordo com sua capacidade e criatividade.
É inegável que o futebol pelo rádio é sempre mais emocionante", diz Flávio Araújo, narrador das Copas de 1966, 1970, 1974, 1978 e 1982. Mas a Copa de 2014 deve ser a última transmitida pela a rádio AM e seu ruído característico. A presidente Dilma Rousseff assinou um decreto que permite a migração das emissoras AM para a faixa FM a partir do ano que vem. A mudança é para melhorar a qualidade de sinal dessas emissoras e estima-se que 90% delas irão migrar de faixa. "Ao cativar as novas gerações, esse fato [assinatura do decreto] ajudará a firmar o rádio como meio de comunicação que ultrapassa fronteiras etárias, geográficas e sociais", disse a presidente na ocasião. A Anatel, no entanto, prevê dificuldade de migração em pelo menos mil cidades brasileiras onde o espectro já está saturado. Nesses casos, a transferência deve ser completada apenas entre 2016 e 2018, quando a TV aberta deverá estar digitalizada e as rádios AM poderão, então, ocupar o lugar nos espaços dos canais de TV. O presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), Daniel Pimentel Slaviero, disse que o decreto é "o fato mais relevante para o rádio AM nos últimos 50 anos. Uma medida justa, que valoriza o pequeno radiodifusor". Segundo ele, a baixa qualidade do sinal da AM estava fazendo as emissoras perderem muitos ouvintes para a FM.
Ruído charmoso
Mas fato é que a chamada 'baixa qualidade' tinha lá o seu charme e não só. Muita tradição e pioneirismo. A rádio AM chegou ao Brasil nos anos 1920 e viveu seus melhores anos na década de 40. Na década de 1950 teve que modificar sua programação para não desaparecer com o surgimento da televisão e na década de 60 se consolidou com a programação no formato que tem hoje, com programas de variedades e locutores de voz bonita. Foi só no fim dos anos 60 que a FM ganhou força pelas mãos da ditadura militar, que considerou a AM como "subversiva" e promoveu a FM com programação musical como forma de alienação dos ouvintes. Nos anos que se seguiram, a AM foi tida como brega, depois como antiga, mas manteve – e mantém até hoje - a tradição de programas jornalísticos e transmissões esportivas. "Eu nasci, me criei e vivo até hoje na rádio AM", diz o locutor José Silvério da Rádio Bandeirantes. "Tenho 50 anos de profissão, a rádio AM é uma marca e principalmente nas transmissões esportivas, tem muita história que parece não caber na FM."
Alcance menor na 'roça'
Mas fato é que a chamada 'baixa qualidade' tinha lá o seu charme e não só. Muita tradição e pioneirismo. A rádio AM chegou ao Brasil nos anos 1920 e viveu seus melhores anos na década de 40. Na década de 1950 teve que modificar sua programação para não desaparecer com o surgimento da televisão e na década de 60 se consolidou com a programação no formato que tem hoje, com programas de variedades e locutores de voz bonita. Foi só no fim dos anos 60 que a FM ganhou força pelas mãos da ditadura militar, que considerou a AM como "subversiva" e promoveu a FM com programação musical como forma de alienação dos ouvintes. Nos anos que se seguiram, a AM foi tida como brega, depois como antiga, mas manteve – e mantém até hoje - a tradição de programas jornalísticos e transmissões esportivas. "Eu nasci, me criei e vivo até hoje na rádio AM", diz o locutor José Silvério da Rádio Bandeirantes. "Tenho 50 anos de profissão, a rádio AM é uma marca e principalmente nas transmissões esportivas, tem muita história que parece não caber na FM."
Alcance menor na 'roça'
Silvério diz que não quer pensar que a Copa no Brasil vai ser a última transmitida por ele em AM. "Talvez também seja a última que eu transmita", diz ele que hoje tem 68 anos. "Eu penso que estou durando tanto tempo neste trabalho porque sou uma pessoa criativa e que acompanha o tempo, faço transmissão jornalística que cabe em qualquer tempo." Segundo ele, o problema da AM passar para a FM é que, apesar de a qualidade da AM não ser tão boa, o alcance dela é muito maior que o da FM, "que simplesmente desaparece de repente". Uma das justificativas para a migração das emissoras AM é porque frequências como as da rádio AM estão mais sujeitas a sofrerem interferência de equipamentos e sons, como eletrodomésticos, linhas de transmissão e até o barulho de veículos. "Mas aquele ruído é muito característico, é um componente a mais na transmissão de um jogo de futebol", diz Silvério que narrou todas as copas do mundo desde 1978. "Se acabar a AM e tiver que transmitir em FM eu vou fazer porque sou empregado, mas o homenzinho que ouve o rádio lá na roça não vai entender aquele som mais puro, vai no mínimo estranhar." "Qual a vantagem do FM? Apenas o som melhor já que seu alcance é bem menor que o do AM. As FMs saturaram os espaços. Em São Paulo você está ouvindo uma emissora e se um movimento for feito, no carro ou seja lá onde for, entrará outra. Onde ficarão as AMs?", questiona Flávio Araújo, hoje com 79 anos. Araújo também é outro emblemático locutor responsável, entre outras, pela transmissão do milésimo gol de Pelé e pela conquista da Copa de 1970, no México. Ele lembra que o papel do rádio era de importância "absoluta". "Não havia como hoje a divisão comercial onde uma rede de TV compra um evento e outra rede compra outro. Uma emissora como a Bandeirantes, a Pan ou a Tupi tinham que cobrir tudo", diz. "É verdade que os eventos eram em número incomparavelmente menor, mas quem se dispusesse a cobrir tinha que estar presente em tudo, transmitindo, informando ou comentando e isso de uma forma crítica que hoje não existe mais."
Histórias e "estórias"
Os dois locutores lembram com saudades de passagens hilárias da vida deles na rádio AM. "É um folclore que parece não caber na rádio FM", diz Silvério. "Tem gente que ainda me pergunta por que o futebol transmitido no rádio é sempre igual, mas querem que mude o quê? Se você acompanha as transmissões de futebol na TV percebe que os locutores copiam os do rádio, que nasceram lá na AM." Flávio Araújo se lembra de um fato que seria impensável nos dias de hoje. "A Copa do México foi difícil pela precariedade da tecnologia. E eu cheguei a transmitir um amistoso da seleção em Irapuato, no período pré-Copa, que jamais chegou ao Brasil. Estava comigo e transmitiu um tempo do jogo o colega Joseval Peixoto, eu Bandeirantes, ele Jovem-Pan. A Copa do México foi tão problemática que as emissoras tiveram que formar pools (grupos) e dividir o trabalho. Um pedaço do jogo comandado pela equipe de cada emissora", conta. Silvério conta que depois da derrota do Brasil na Copa de 1990, na Itália, ele chegou a pensar que tudo estava acabado. "Quando acabou aquele mundial um pessimismo tomou conta mesmo, além de ter sido a pior seleção que já vi, eu pensava que meu trabalho e o do rádio tinham acabado, pensei que a TV iria dominar tudo. Mas não, até hoje há espaço para todos.
Os dois locutores lembram com saudades de passagens hilárias da vida deles na rádio AM. "É um folclore que parece não caber na rádio FM", diz Silvério. "Tem gente que ainda me pergunta por que o futebol transmitido no rádio é sempre igual, mas querem que mude o quê? Se você acompanha as transmissões de futebol na TV percebe que os locutores copiam os do rádio, que nasceram lá na AM." Flávio Araújo se lembra de um fato que seria impensável nos dias de hoje. "A Copa do México foi difícil pela precariedade da tecnologia. E eu cheguei a transmitir um amistoso da seleção em Irapuato, no período pré-Copa, que jamais chegou ao Brasil. Estava comigo e transmitiu um tempo do jogo o colega Joseval Peixoto, eu Bandeirantes, ele Jovem-Pan. A Copa do México foi tão problemática que as emissoras tiveram que formar pools (grupos) e dividir o trabalho. Um pedaço do jogo comandado pela equipe de cada emissora", conta. Silvério conta que depois da derrota do Brasil na Copa de 1990, na Itália, ele chegou a pensar que tudo estava acabado. "Quando acabou aquele mundial um pessimismo tomou conta mesmo, além de ter sido a pior seleção que já vi, eu pensava que meu trabalho e o do rádio tinham acabado, pensei que a TV iria dominar tudo. Mas não, até hoje há espaço para todos.
"Araújo conta ainda com alegria o interesse que o locutor esportivo brasileiro despertava no exterior, principalmente na Europa Oriental. "Como em geral transmitíamos em espaços abertos era comum o torcedor virar-se do gramado e ficar ouvindo e se divertindo com nosso trabalho, embora sem nada entender do que falávamos." Apesar de um certo saudosismo e do tom nostálgico das histórias, os dois sabem que o tempo não para, mas ninguém quer arriscar qual será o futuro do rádio sem a AM. "Com inteligência e trabalho sempre haverá espaço para todo mundo. Hoje faço transmissão de futebol na AM que é estendida para diversas FMs, se a AM acabar não sei se vão me querer na FM, mas acredito que sempre podemos encontrar um caminho novo", diz Silvério. Araújo é mais pessimista e acredita que uma coisa não substitui a outra e que assim como a AM sobreviveu à televisão, deveria sobreviver também à FM. "Houve muita demagogia do governo ao tomar uma medida que será tão tardia quanto a transposição das águas do Rio São Francisco. As grandes emissoras não vão migrar. Vão esperar pela prometida digitalização e a liberação dos atuais canais de tevê", diz ele. "Creio que o rádio como broadcasting, produtor de entretenimento, diversão e prestação de serviços por sua agilidade até hoje está à frente da televisão com seus enlatados na maior parte das vezes importados."
fonte: Rede Brasil de Notícias.